Pão branco: O assassino silencioso




“A hiperinsulinemia possui papel relevante na fisiopatologia do infarto do miocárdio , do acidente vascular cerebral e do câncer”   José de Felippe Junior

“Quando você prospera na vida deve se preparar para ganhar falsos amigos e verdadeiros inimigos”
Desconhecido do século XXI

Quando um país ganha o status da estabilidade econômica o povo prospera, aumenta o consumo de supérfluos e muda a sua dieta e seus hábitos. Começa a ingerir grandes quantidades de alimentos saborosos ricos em açúcar branco e farinhas refinadas, alimentos bonitos de se ver e péssimos de se comer e engordam e fazem menos exercícios. Ganham falsos amigos - alimentos refinados, embutidos e enlatados - e ganham verdadeiros inimigos – obesidade central , doenças degenerativas e sedentarismo.

Nestes países a ingestão de pão branco, pão francês , baguetes e pães de hamburguer é exagerada e de uma forma inocente acompanha todas as refeições, café da manhã , almoço e jantar, aumentando assustadoramente o índice glicêmico e a carga glicêmica . O aumento do índice glicêmico e da carga glicêmica são os fatores causais de várias doenças degenerativas como o infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e muitos tipos de câncer.

Hiperinsulinemia e Resistência à Insulina

Cada ano que passa se acrescentam na literatura médica, trabalhos epidemiológicos e prospectivos que relacionam, nos países desenvolvidos e economicamente estáveis, os fatores de risco que provocam hiperinsulinemia (sedentarismo, obesidade central, alta ingestão de carboidratos refinados) com o aumento da prevalência das principais doenças degenerativas (infarto do miocárdio, diabete não dependente de insulina, câncer colo-retal, adenoma colo-retal, câncer de mama, câncer de próstata) sugerindo que a hiperinsulinemia pode ser considerada importante fator promotor destas doenças (McKeown-Eyssen – 1994 ; Giovannucci – 1992,1995,1997 ; Salmeron –1997 , Ludwig – 1999 ; Liu – 2000 ; Augustin – 2001 e Franceschi – 1995, 2001).

A ingestão de alimentos refinados provoca no período pós prandial, um aumento da glicose no sangue a qual é responsável pela produção exagerada de insulina: hiperinsulinemia. Com o passar do tempo, a persistência da hiperinsulinemia, acarreta a diminuição da sensibilidade dos receptores de membrana à insulina e surge a “resistência à insulina” a qual aumenta ainda mais a glicemia em um verdadeiro ciclo vicioso. O aparecimento de resistência à insulina provoca dificuldade de penetração da glicose do extracelular para dentro das células.

De importância prática é o fato de podermos diagnosticar em clínica esta dificuldade de passagem da glicose do extracelular para o intracelular: dosando a INSULINEMIA . Já ao olhar para uma pessoa podemos suspeitar fortemente da presença de hiperinsulinemia com resistência à insulina : presença de obesidade central – aumento do volume do abdome (aumento de gordura intra abdominal).

O normal estatístico da insulinemia está entre 2,5 a 25 microU/ml , porém o normal fisiológico, aquele que empregamos para prevenir doenças é aquele que mais se aproxima do valor inferior: 2,5 a 5 microU/ml.
Insulinemia elevada significa dificuldade de penetração da glicose no compartimento intracelular com o conseqüente estresse oxidativo metabólico (vide abaixo o elo esquecido) e os trabalhos epidemiológicos realmente mostram que populações com aumento da insulinemia têm maior probabilidade de apresentar as doenças degenerativas relacionadas ao estresse oxidativo: aterosclerose (infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral) e vários tipos de câncer. Acrescente-se pelos mesmos motivos a hipertensão arterial, o diabetes não dependente de insulina, as artrites, as artroses e as doenças neurodegenerativas (Doença de Parkinson e Mal de Alzheimer).

Classificação dos Carboidratos – Índice Glicêmico – Carga de Glicose

Os carboidratos podem ser classificados em “simples” e “complexos”, de acordo com o grau de polimerização ou “integrais” e “refinados” de acordo com a maior ou menor quantidade de nutrientes essenciais que possuem. Entretanto a interferência dos carboidratos na saúde e na doença são melhor entendidos do ponto de vista fisiológico e bioquímico, conhecendo-se a sua capacidade de aumentar a glicose no sangue quando ingeridos : ÍNDICE GLICÊMICO .

O conceito de índice glicêmico dos alimentos foi elaborado pelo brilhante pesquisador canadense David J.A. Jenkins em 1981. O índice glicêmico é um parâmetro quantitativo que verifica quanto um determinado alimento é capaz de elevar a glicose no sangue no período pós prandial. Ele é a relação entre dois parâmetros a/b : a- é o nível glicêmico provocado pela quantidade fixa de um determinado alimento teste e b- é o nível glicêmico provocado pela mesma quantidade de um alimento padrão, glicose ou pão branco, na mesma pessoa ( Jenkins- 1981,1982, 1984, 1987a, 1987b, 1987c, 1988a, 1988b, 2002).

O índice glicêmico é expresso como a porcentagem de aumento da glicose no sangue provocado por determinado alimento, em relação a uma porção equivalente de pão branco ou glicose. (Wolever- 1985, 1986, 1991, 1992a , 1992b ,1994). Matematicamente o índice glicêmico é a área abaixo da curva glicêmica para cada alimento expresso como a porcentagem da área após a ingestão de uma mesma quantidade de glicose ou pão branco.

Outro parâmetro importante que provou sua utilidade em estudos epidemiológicos é a “carga de glicose” que reflete o efeito glicêmico total da dieta. A carga de glicose é o produto do índice glicêmico e o carboidrato total da dieta (Wolever – 1996 , Salmeron -1997a ,1997b , Liu – 2000).

Indice glicêmico de alguns alimentos em relação à glicose. Por definição o índice glicêmico da glicose em relação a ela mesma em porcentagem é de100.

tomate.........................9
arroz integral………..20
lentilha.......................22-30
ervilha........................22-30
frutose.......................23
“grapefruit”................26
leite...........................28
pêssego.....................28
feijão.........................30-43
banana pouco madura. 31
pêra...........................33
maçã......................... 36
macarrão...................36-51
arroz parbolizado.......38 (Uncle Ben´s)
musli tostado..............43
laranja........................45
lactose.......................46
manga........................50
chocolate...................50
Inhame.......................51
pão de trigo integral...52-62
batata doce................54
arroz branco..............55
milho.........................55
musli não tostado.......56
mamão papaia...........58
banana madura..........62
pizza.........................62
abacaxi.....................66
sacarose...................67
maizena....................68
coca-cola.................70
farinha branca...........71
pão branco...............72
mel...........................73
“cornflakes”.............72-92
batata......................87
arroz instantâneo......91
GLICOSE...............100

Nesta tabela podemos ver que o arroz instantâneo possui o maior índice glicêmico, isto é, ele aumenta mais os níveis da glicemia no pós prandial do que o próprio açúcar branco(sacarose) O “inocente” pão branco largamente consumido de uma maneira exagerada, também aumenta mais a glicemia no período pós prandial que o açúcar branco. Note o valor altíssimo do índice glicêmico da batata.

O índice glicêmico depende de vários fatores:

1- tipo de açúcar que o alimento contém - glicose, sacarose, frutose, lactose, etc
2- forma física do carboidrato - tamanho da partícula e grau de hidratação
3- alimentos que acompanham o carboidrato na refeição – gordura e proteínas.

Quanto menor a velocidade de absorção do carboidrato menor é a elevação da glicemia no pós prandial e menor será o índice glicêmico.

Existem vários benefícios na ingestão de uma dieta com baixo índice glicêmico: redução das necessidades de insulina, melhor controle da glicose no sangue, redução do colesterol e triglicérides e manutenção da sensibilidade dos receptores de membrana os quais permitem a normal entrada de glicose para as células da economia o que permite e mantém a eficácia intracelular de proteção contra o estresse oxidativo metabólico. Todos esses fatores e particularmente o controle do estresse oxidativo desempenham relevante papel na fisiopatologia das coronariopatias, doença cerebrovasculares, diabetes, doenças degenerativas da idade e muitos tipos de câncer.

A ingestão de dietas de elevado índice glicêmico com a rápida liberação de açúcar simples e os altos níveis de glicose pós prandial provocam como já vimos o aumento da produção de insulina. O resultado é a hiperinsulinemia a qual com o passar do tempo provoca a característica resistência à insulina devido à diminuição da sensibilidade periférica dos seus receptores. Para nós clínicos “hiperinsulinemia” é o mesmo que “resistência à insulina”.

A seqüência bioquímico-fisiológica é : a ingestão de alimentos com elevado índice glicêmico provoca aumento da glicose no sangue a qual provoca o aumenta dos níveis de insulina no sangue (hiperinsulinemia) a qual provoca diminuição da sensibilidade dos receptores de membrana à insulina (resistência à insulina) dificultando a entrada da glicose do extracelular para o intracelular fechando o círculo vicioso e provocando aumento da glicose no sangue ( Jenkins – 2000).

Os efeitos da ingestão de dietas de baixo índice glicêmico sobre as doenças crônico-
degenerativas são enumerada a seguir ( Jenkins – 2002):

1- menor elevação pós prandial da glicemia ( Jenkins – 1990,1992)
2- redução da produção diária de insulina (Bertelsen – 1993 e Jones – 1993)
3- diminuição da excreção urinária de peptídeo-C (Jenkins – 1989 , 1992)
4- supressão prolongada de ácidos graxos no plasma (Jenkins – 1990 e Bertelsen-1993)
5- redução da produção de catecolaminas (Jenkins – 1990)
6- redução do colesterol total e do LDL-colesterol (Jenkins-1993, Arnold-1993 e Cohn-1964)
7- redução da síntese hepática de colesterol ( Jones – 1993)
8- diminuição dos níveis de apolipoproteina B (Jenkins – 1989)
9- diminuição dos níveis de ácido úrico (Jenkins – 1995)
10- aumento da excreção urinária de ácido úrico (Jenkins – 1995)

Fatores que reduzem a velocidade de absorção da glicose reduzindo portanto os níveis de insulina no sangue ( Jenkins-2002)

1- alimentos de baixo índice glicêmico
2- fibras solúveis
3- aumento da freqüência das refeições
4- ingestão de proteínas juntamente com o carboidrato
5- ingestão de gordura juntamente com o carboidrato
6- inibidores da amilase – acarbose

Fatores que diminuem o índice glicêmico

1- presença de amilopectina / amilose
2- frutose
3- galactose
4- fibras viscosas: guar , beta-glucan
5- arroz integral
6- partículas grandes
7- presença de inibidores da amilase: lectinas , fitatos
8- presença de proteínas e gorduras na refeição

Fatores que aumentam o índice glicêmico

1- ausência de amilopectina /amilose
2- glicose
3- batata
4- ausência de fibras viscosas: guar , beta-glucan
5- carboidrato em partículas pequenas ou dissolvido em água (refrigerantes)
6- arroz branco completamente desprovido do seu farelo
7- ausência de inibidores da amilase: lectinas , fitatos
8- ausência de proteínas e gorduras nas refeições


O Elo Esquecido : Associação entre Hiperinsulinemia e Estresse Oxidativo

Inúmeros trabalhos da literatura médica apontam para a importância das reações de oxido-redução na fisiopatologia das doenças degenerativas como a aterosclerose e o câncer.

A hipótese lógica é: se combatermos o estresse oxidativo com antioxidantes (vitamina E, vitamina C, n-acetil-cisteina, polivitaminicos antioxidantes, etc) estaremos prevenindo o aparecimento e o agravamento dessas doenças. Esta hipótese foi amplamente demonstrada em animais de laboratório onde a alimentação e o ambiente são muito bem controlados. Entretanto, o raciocínio simplório e ingênuo de combater o estresse oxidativo simplesmente ingerindo pílulas mágicas, isto é, os muito dispendiosos antioxidantes ( vitamina E , vitamina C , n-acetilcisteina, selênio, polivitaminicos antioxidantes, etc) não provocou mudança sensível da prevalência de câncer ou aterosclerose em vários estudos epidemiológicos.

O estresse oxidativo deve ser combatido não com pílulas mágicas e sim com mudanças dos hábitos de vida : dieta inteligente, atividade física moderada, maneira de encarar os problemas do cotidiano, higiene do sono, livrar-se dos metais tóxicos, abolir o fumo e o excesso de álcool, afastar-se dos campos eletromagnéticos prejudiciais e no final e apenas quando os anteriores forem cumpridos o uso de antioxidantes ( Felippe-1990-1994, 2000, 2001).

Elo esquecido: Ao entrar na célula a glicose é fosforilada e se transforma em glicose 6-fosfato. A partir deste ponto ela pode seguir por duas vias: glicólise anaeróbia e ciclo das pentoses. A glicólise anaeróbia forma piruvato e o ciclo das pentoses, NADPH.

O piruvato, além de substrato para a formação de acetil-CoA que entra como metabolito energético no ciclo de Krebs é um potente varredor de peróxido de hidrogênio e outros hidroperóxidos (Nath – 1995).
O NADPH é um agente antioxidante equivalente ao GSH (glutationa reduzida) principal antioxidante intracelular, que funciona como potente e contínuo varredor do peróxido de hidrogênio e dos hidroperóxidos orgânicos (Tuttle – 1992).

Assim sendo, a glicose em seu metabolismo, além de produzir energia, gera substâncias redutoras (antioxidantes) que promovem a desintoxicação dos hidroperóxidos e dos radicais livres formados como subprodutos da fosforilação oxidativa mitocondrial. De fato, o aumento da concentração de glicose em culturas de células protege tais células da citotoxicidade induzida pelo peróxido de hidrogênio (Averill-Bates -1994, Przybytkowski - 1996).

Durante o seu processo metabólico a glicose produz continuamente no citoplasma via ciclo das pentoses e glicólise anaeróbia, substâncias redutoras como o NADPH e o piruvato e no mitocôndria via fosforilação oxidativa, substâncias oxidantes o radical superóxido, o peróxido de hidrogênio e o radical hidroxila. Estes últimos são chamados de espécies reativas tóxicas de oxigênio ou radicais livres do oxigênio e desta forma o equilíbrio redox é continuamente e fortemente mantido, impedindo o estresse oxidativo.

A hiperinsulinemia com resistência à insulina dificulta a entrada da glicose na célula e diminui contínua e ininterruptamente a produção de redutores (NADPH, GSH e piruvato) enquanto se mantém a contínua e ininterrupta produção de oxidantes (espécies reativas tóxicas do oxigênio) o que leva o equilíbrio redox tender para a oxidação, isto é, para o estresse oxidativo. Lembrar que na ausência de glicose a fosforilação oxidativa se mantém com outros substratos como os ácidos graxos e os aminoácidos.

Conclusão

A estratégia para prevenir vários tipos de doenças é em si muito simples e salta aos nossos olhos dos trabalhos científicos de bom nível: ingerir alimentos de baixo índice glicêmico, ingerir moderada a baixa carga de glicose, aumentar a freqüência das refeições ( seis ao dia) e praticar atividade física moderada.

Foster-Powell e Brand Miller publicaram em 1995 excelente tabela do índice glicêmico dos alimentos e Wolever em 1994 publicou o índice glicêmico de 102 alimentos em diabéticos (citado por Augustin – 2002).
Estas tabelas são de capital importância na elaboração de dietas para aumentar a eficácia da estratégia preventiva nas doenças crônico-degenerativas e que permitirá aos médicos saírem do curto circuito cerebral “diagnóstico- tratamento com a pílula mágica mais moderna” que a industria farmacêutica tanto aprecia, para um tratamento realmente baseado na bioquímica , na fisiologia e nos trabalhos randomizados, duplo cegos e controlados da medicina com evidência.

É árduo o caminho da busca da verdade e da melhor estratégia que devemos empregar nos pacientes que nos confiam a própria vida. Neste sentido, Charcot no século passado cunhou uma frase na qual devemos meditar com extrema seriedade:

“As enfermidades são muito antigas e nada a respeito delas mudou. Somos nós que mudamos ao aprender a reconhecer nelas o que antes não percebíamos”

Referências bibliográficas vejam no link.

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