Depoimento de uma Super Mãe!


QUARTA-FEIRA, 15 DE JUNHO DE 2011

Carta de uma mãe APLV a um pediatra


Amamentar é fundamental, ainda mais para uma criança alérgica. Mas melhor ainda é saber: é possível!

Não digo que seja fácil, pois não é. Eu amamentei em dieta de restrição até os 6 meses exclusivo e depois parei. Parei não porque quis e sim porque na época o profissional médico que nos acompanhava informou que a suspensão da amamentação curaria meu filho já que ele iria se alimentar com uma fórmula a base de aminoácidos livres. Não foi verdade. Realmente a fórmula não desencadea sintomas mas também não cura, o único tratamento comprovado para alergia alimentar é a dieta de exlusão do alérgeno. Ponto. Hoje meu filho continua usando essa mesma fórmula, tem alergia múltipla (leite, soja, ovo, trigo, frutos do mar), já passamos por desnutrição, internação, sonda e muita muita muita muitas dificuldades. Doeu demais para mim parar de amamentar pois significava muito no meu coração e eu não queria. Tomei três remédios para suspender o leite, me enfaxei toda e meu leite não secava pois minha cabeça dizia não. Chorei muito como estou chorando agora ao me lembrar de tudo. É lógico que ninguém deseja para si algo tão pesado mas eu insisto em dizer: como eu não queria estar passando por tudo isso. Mas gente meu filho acabou de me ver chorando, me abraçou e enxugou minhas lágrimas com sua camisa e sorriu. Esse pesadelo vai acabar e é por ele que suporto e faço tudo que faço.

Crianças alérgicas amamentadas curam mais rápido, pode até não existir ainda um artigo científico publicado mas é isso que vejo nas diversas famílias que acompanho. Existem milhões de relatos positivos comprovando isso. E digo mais ser mãe de "Neocate" não é fácil. Hoje é praticamente inviável para a maioria da população brasileira custear a compra das latas e depender do governo, do nosso país..... é quase uma piada. Não estou menosprezando o valor dessas fórmulas, não me interpretem mal. Crianças com APLV não amamentadas dependem delas. Ponto também. Mas se você amamenta ainda faça de tudo para continuar. Está com dificuldades? Nos procure! Existem muitos centros de apoio, indicaremos.

Confiram esse relato incrível de Luciana Freitas:

"Prezado Doutor,

Sou profunda admiradora do seu trabalho, da sua história em defesa da amamentação, dos seus textos. Sou sua fã. De verdade.

No entanto, não posso esconder a profunda tristeza que sinto ao ler o que você já disse, mais de uma vez, sobre ter recomendado desmame de bebês com alergia às proteínas do leite de vaca (APLV). Me dá uma tristeza, um desânimo... Só eu sei... Eu vou te pedir uma coisa, doutor: repense. Eu sei o tamanho do meu atrevimento ao dizer isso. Já não sou profissional de saúde, sou uma mãe. Uma mãe APLV, ou melhor, ex-APLV, pois meu filho está curado há mais de um ano. Não pense que não me coloco no seu lugar, porque me coloco. Eu sou pesquisadora, embora não tenha, na minha área, o peso que você tem na pediatria. O que ocorreria se um leigo viesse me pedir para repensar algo sobre a minha especialidade? Não sei. Talvez não gostasse. Talvez repensasse. Realmente não sei.

Se o estímulo ao desmame é enorme entre crianças saudáveis, é maior ainda entre crianças APLV. Imagino que muitas tenham passado pelo seu consultório, não tenho ideia de quantas. Sei que sua experiência é enorme, mas eu gostaria de falar um pouco da minha e peço, por favor, que leia o longo texto que escreverei.

Eu tenho contato com centenas de mães com filhos APLV. Sim, centenas. Temos, há alguns anos, um grupo virtual de apoio às mães. Para ser mais exata, hoje somos 1691 mães. Muitas delas nunca nos relataram suas experiências, é verdade. Mas muitas outras, pelo menos a metade, participa ativamente do nosso grupo. Temos de tudo: mães ricas e mães pobres; mães muito bem informadas e mães pouco informadas; mães que querem amamentar e mães que não querem amamentar; mães que pagam 800 reais por uma consulta médica e mães que mal podem pagar o ônibus até o posto de saúde. Nosso objetivo? Apoio mútuo e informação.

Aprendi algumas coisas ao longo desse tempo. Muitas delas, aprendi estudando. Como tenho acesso a todos os periódicos pela minha universidade, eu leio bastante sobre APLV (e sobre amamentação também). No entanto, aprendi muito mais com as outras mães. Muito mais mesmo!

Não preciso dizer o que aprendi estudando, porque isso você já sabe. Prefiro contar o que eu aprendi com as mães, que passo a relatar abaixo:

1) Por melhor que seja o pediatra, APLV requer acompanhamento de um bom especialista. Na maioria dos casos, a melhor opção é um gastro. O problema é, infelizmente, encontrar um que entenda bem do assunto e, mais ainda, que apóie a manutenção da amamentação, se esse for o desejo da mãe. Eu, sinceramente, depois de tudo o que já vi e ouvi, só entregaria meu filho APLV aos cuidados de três médicos: César Junqueira e Sheila Pércope, ambos da UFRJ, e uma jovem médica pediatra de São Paulo, Barbara Seabra, mãe APLV, que humildemente foi buscar informação e apoio no nosso grupo quando se viu com seu próprio bebê alérgico a leite; Hoje ela entende muito do assunto, embora não seja gastro. Deve haver mais médicos que entendam da APLV e que apoiem a amamentação. Eu desejo demais que haja, mas eu não conheço. Sei de mães que cruzaram o país e uma que cruzou o Atlântico para vir se consultar com esses médicos.

2) Por melhor que seja o gastro, mesmo os que eu citei e que são da minha maior confiança, quem entende de dieta é a mãe. Deixando de lado casos de erros absurdos, como médico que manda a mãe tomar leite sem lactose ou leite de cabra (que acontecem muito mais do que deveria, veja este artigo: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-05822007000200002&lng=en&nrm=iss), o fato é que profissionais de saúde não têm como saber, excetuando-se o óbvio, o que tem e o que não tem leite, soja ou qualquer outro ingrediente. Nem eu sei mais. Meu filho está curado há mais de um ano e eu já estou desatualizada quanto a isso, porque não leio mais rótulos, não ligo mais para SACs. Já vi um caso gravíssimo de alergia, criança tratada em um dos mais importantes hospitais de São Paulo e sabe o que aconteceu? A nutricionista, com aval do pediatra, mandou colocar uma determinada marca de maltodextrina, que tem traços de leite, na fórmula de aminoácidos! A mãe confiou, não leu o rótulo e o resultado foi lamentável. Teria muitos exemplos semelhantes para dar.

3) Conheço dezenas de mães que, como eu, fizeram meses ou anos de dieta rigorosíssima. Eu fiz 15 meses de carne e 23 meses de leite (incluindo traços), cítricos e oleaginosas. Conheço várias que fizeram leite, soja e carne; outras que fizeram dietas ainda mais rigorosas, pois precisaram excluir ovo, glúten, frutas. Conheci até mesmo uma que passou meses com arroz e fórmula de aminoácidos. Sim, ela preferiu tomar a fórmula especial para poder amamentar seu filho! Eu acho que não aguentaria, mas ela aguentou. Cada um sabe seu limite, não é? Eu fiz a dieta sem dificuldade. Nunca sofri. As pessoas sofriam por mim, eu não sofria. Sei que há mães que sofrem, umas mais, outras menos. No entanto, ninguém pode decidir pela mãe se o sofrimento dela vai ser grande ou pequeno, se ela vai fazer a dieta direito ou não, se ela vai ou não vai aguentar. Isso só ELA pode saber. Eu ouvi de uma nutricionista que eu não iria aguentar e que meu leite não seria suficiente. Eu ri. Ainda bem. Porque eu poderia ter acreditado nela, mas mas eu preferi acreditar em mim! Minha vontade, quando meu filho fez dois anos sem nenhum tipo de leite exceto o meu, um touro com quase 15kg e 95 cm, embora ainda APLV, era voltar lá, para mostrar a ela a nossa “desnutrição”. Essas dezenas de mães, doutor, estão todas saudáveis. Nenhuma ficou desnutrida. Nenhuma. Nem aquelas que tinham dietas extremamente restritas. Eu me alimentava perfeitamente: no café da manhã e no lanche, pães caseiros, azeite, uma marca permitida de margarina, sucos, bolos caseiros sem leite, até pão de queijo sem queijo existe! No almoço e no jantar, arroz, feijão, aves (frango, pato, peru, avestruz), rã, coelho, ovos, todos os legumes e verduras. Isso desnutre alguém? Pois eu sequer perdi peso, e olha que ia ficar bem feliz se acontecesse! Meus exames foram excelentes durante todo o período, até melhores do que são agora, com colesterol e triglicéridos mais baixos. Algumas mães suplementam ferro e cálcio, mas eu confesso que não tive paciência para isso. E não tem tantos vegetarianos e veganos hoje em dia? Eles ficam desnutridos?

4) A dieta não é de simples manejo, mas também não é um bicho-de-sete-cabeças quando a mãe se sente apoiada e informada. Temos centenas de receitas no nosso grupo. De tudo o que você puder imaginar: bolos, brigadeiros, salgadinhos, tudo mesmo! Muitos deles sem leite, soja, ovo, carne e glúten. Eu sou um zero à esquerda na cozinha, mas botei a mão na massa, literalmente. Eu sou impaciente, mas aprendi a passar horas para fazer compras no supermercado, para ler todos os rótulos minúsculos e infames.

5) Meu filho tinha sangue nas fezes. Sangue MESMO, fralda cheia, visível. Nada de raios, não. Outra criança teve 10 meses de sangue oculto positivo. Outras mais tempo que isso. Casos graves, mas que foram acompanhados por médicos que acreditam que o poder de cura do leite materno é superior a qualquer deslize na dieta. E, obviamente, mães que desejavam amamentar e persistiam. Com dieta, com perseverança, essas crianças foram amamentadas por logo tempo e muitas delas já se curaram. Inclusive o meu. Inclusive a que teve 10 meses de sangue oculto positivo. Inclusive muitas outras que tinham alergias gravíssimas e cujas mães fizeram dietas rigorosíssimas.

6) Bebê APLV, amamentado. Criança com reação, médico “manda” suspender aleitamento e dar extensamente hidrolisado (que sempre deve ser a 1ª opção, segundo o Consenso Brasileiro de Alergia Alimentar, documento que deveria ser lido por todos os que tratam de crianças alérgicas) ou fórmula de aminoácidos. A mãe desmama uma criança doente; ela sofre, a criança, mais ainda. A criança faz 6 meses, começa a introdução dos sólidos, mas seu organismo não mais conhece proteínas inteiras e o resultado, ao receber o sólido, podemos imaginar qual é... De fato, não é uma nenhuma evidência, mas o que observamos é isso: a criança APLV amamentada pode até demorar mais tempo a ficar assintomática, mas a médio e a longo prazo, tudo é melhor, inclusive a tolerância aos sólidos. Continuando a historinha: a criança faz 8 meses e começa a engatinhar... Um espetáculo de traços de todos os alimentos no chão. A criança coloca a mão na boca... Imagine o chão de uma festa infantil... Ah, antes mesmo de aprender a engatinhar, ainda tem a tia com aquela boca que acabou de comer pão com manteiga direto na bochecha do bebê... O pai que bebeu leite... O irmão, o vizinho... Onde há mais “contaminação” pelo alérgeno? No leite da mãe ou em tudo isso que eu disse? Olha, o que eu conheço de criança APLV desmamada e cheia de reações mesmo em exclusividade de fórmula de aminoácidos... Desmamou, privou a criança do LM e de tudo o que envolve a amamentação, mas livrou a criança dos alérgenos? E nem falei de creche e escolinha. Você acha que vão separar utensílios como fazemos em casa? Que vão impedir que uma criança roube um biscoito da outra?

7) Em teoria, a criança com APLV desmamada tem fórmula fornecida pelo poder público. Tudo parece lindo e maravilhoso. Até o dia que o leite atrasa. O leite acaba. O leite, mesmo com liminar, não sai. Não conheço uma mãe cujo filho dependa de fórmulas especiais que nunca tenha passado por isso. Aí, aquele desespero, claro. Junta daqui, pede dali, compra no mercado negro, é enganada por golpistas... Conheço lugares em que as crianças passaram meses sem receber as fórmulas.

8) Já vi criança APLV com os mais variados sintomas, respiratórios, dermatológicos, já vi casos graves de refluxo, otite crônica, esofagite eosinofílica, proctite, enterocolite, hiperplasia nodular linfóide... Algumas já desmamadas quando se juntaram a nós, outras que desmamaram depois, mas muitas que mantiveram a amamentação, felizmente. Desmamou porque a mãe não aguentou a dieta? Perfeito, cada um tem seu limite e ele deve ser respeitado. Mas desmamar porque “fórmula de aminoácidos é a solução” e o “leite materno está fazendo mal ao bebê”, isso eu não aceito e não tem respaldo em evidências científicas... A mãe que quer amamentar costuma lutar por isso, mas ouvir de um médico que é preciso desmamar consegue destruir a segurança de muitas delas. Se o médico já na consulta do diagnóstico diz: “se não melhorar com a dieta vamos entrar com fórmulas especiais” ou “se você não aguentar a dieta”, pronto! Lá se foi a determinação de muitas mães! Eu, com meu filho sangrando bastante por 3 meses nunca ouvi nada disso. Se ouvisse, não me abalaria, porque eu estava determinada. Mas muitas mães ouvem e ficam arrasadas, fracassadas e aí tudo fracassa mesmo.

9) Os casos que você cita que recomendou o desmame eu, obviamente, não conheço. Não estou de forma alguma afirmando que foi um erro e não estou te criticando, mas preciso dizer que nunca vi caso que não melhorasse com ajuste na dieta e apoio e informação à mãe. Eu não chegaria aonde cheguei sem o apoio das minhas queridas companheiras, muitas delas amigas de verdade hoje em dia. Onde eu aprenderia que existe pão de queijo sem queijo? Como eu imaginaria que tem que separar a esponja? Como eu aventaria a hipótese de que há produtos de higiene infantis com proteínas do leite? Xampu, lenços umedecidos, sabonete, creme... Isso tudo e muitos, muitos outros detalhes.

10) Eu poderia escrever não apenas uma mensagem longuíssima como esta, mas talvez um livro com tantas histórias sobre APLV, mas não dá. Deixo, então, uma foto de mães e seus bebês APLVs amamentados. Todos mamaram por mais de um ano, exceto dois que ainda têm menos de 3 meses. Quase todas amamentaram por mais de 2 anos. Uma delas faz dieta de leite, soja e glúten há mais de 2 anos, pois suas gêmeas têm APLV. Eu também estou na montagem, no aniversário de 2 anos do meu filho, eu completando 22 meses sem leite. Ambos em dieta e felizes.

Com carinho e admiração,

Luciana Freitas"

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