Sensibilidade ao glúten



18 DE MARÇO DE 2011

Afinal não é preciso ter Doença Celíaca ou alergia para ser sensível ao glúten!


Intestino irritável, dores de cabeça, fadiga, depressão. Muitas pessoas se queixam destes sintomas e, depois de vários diagnósticos falhados, algum médico mais esclarecido pede testes imunológicos para despistar doença celíaca ou alergia ao trigo, mas nada… não existe qualquer reacção autoimune ou alérgica e nenhum dos marcadores convencionais está presente. O mais provável é que o paciente seja mandado para a psiquiatria. O curioso é que os sintomas desaparecem subitamente quando o glúten é excluído da dieta. Mas é impossível! Está tudo na cabeça do doente… ou não.


Num artigo muito recente publicado no BMC Medicine, Alessio Fasano e sua equipa conseguiram pela primeira vez desvendar esse mistério. Os investigadores mostraram que a sensibilidade ao glúten (SG) é uma entidade clínica distinta da doença celíaca (DC) e iniciada por diferentes mecanismos de resposta ao antigénio. A gliadina é uma proteína presente no glúten com efeitos citotóxicos reconhecidos. O sistema imunitário reconhece-a e dá início a uma série de respostas como se tratasse de um agente agressor. Um dos seus efeitos é a promoção de um rearranjo no citoesqueleto das células da mucosa, com perda das ligações inter-celulares que impermeabilizam o intestino. As toxinas e xenobióticos alimentares recebem um free-pass para entrar no organismo. Enquanto que nos pacientes com CD existe um aumento da permeabilidade intestinal, ela não se verifica na sensibilidade ao glúten.

Julga-se que a doença celíaca seja mediada essencialmente pela imunidade adaptativa. As pessoas não nascem com esta doença e alguma coisa a inicia. O estudo de Fasano sugere que a DC é adquirida, ou seja, necessita de exposição prévia ao antigénio. No entanto, a sensibilidade ao glúten resulta de um mecanismo inato e primitivo. Em pacientes com SG verificou-se um aumento na expressão de TLR-2, um receptor membranar que reconhece uma série de moléculas conservadas entre um largo espectro de microrganismos agressores, o que não aconteceu para a DC (p = 0.0295). Uma observação mais difícil de interpretar foi a redução de FOXP3, um marcador de linfócitos T reguladores (Tregs), que sugere uma menor activação da imunidade adaptativa na sensibilidade ao glúten.

De acordo com estes dados, não é de estranhar a estimativa de que cerca de 10% da população seja reactiva ao glúten, apresentando sintomatologia semelhante à doença celíaca mas com serologia e histopatologia distintas. A resposta parece ser iniciada por mecanismos inatos, primitivos e não-específicos. Embora o estudo tenha várias limitações, são resultados preliminares que podem contribuir para uma melhor caracterização e diagnóstico desta patologia, e sugere também que a doença celíaca e alergias podem ser apenas a ponta do iceberg no que diz respeito à reacção do organismo ao glúten. Como os autores referem, a introdução dos cereais na dieta há 10 000 anos pode ter sido um “engano da evolução”. Aguardo por desenvolvimentos futuros.

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