Novas terapias e tratamentos para a doença celíaca


tratamentos.jpgPesquisas recentes poderão permitir à comunidade de celíacos vislumbrar um futuro mais fácil, já que vários tratamentos para a doença vem sendo estudados, com resultados promissores em alguns casos.
A doença celíaca é uma condição auto-imune que afeta indivíduos geneticamente suscetíveis, e que se caracteriza pela ocorrência de uma reação inflamatória a qual afeta a superfície interna (vilosidades) do intestino delgado após a ingestão de alimentos contendo ‘glúten' (ou seja, trigo, cevada e centeio). Atualmente, o único tratamento possível é a adoção rígida de uma dieta completamente isenta de glúten. Não é difícil imaginar, portanto, que tal restrição limite a vida pessoal e social dos portadores, uma vez que o glúten está presente em grande parte dos produtos industrializados, cosméticos e fármacos.
Pesquisas recentes, no entanto, poderão mudar este cenário, já que várias terapias e tratamentos vem sendo estudados. Um artigo recém publicado na revista científica "Autoimmunity Reviews", pelo Dr. Aaron Lerner (Unidade de Gastroenterologia e Nutrição do Technion-Israel Institute of Technology), faz uma revisão abrangente destas possibilidades. Resumimos algumas das terapias sendo estudadas aqui.
Manipulação e ‘desintoxicação' do glúten
Uma das linhas de pesquisa é centralizada na possibilidade de se alterar geneticamente algumas linhagens de trigo de forma a remover as frações tóxicas do glúten, ou seja, aquelas responsáveis pela reação inflamatória presente nos portadores da doença celíaca. Embora os primeiros resultados neste sentido tenham sido positivos, esta abordagem ainda é relativamente problemática: tal modificação poderia alterar as propriedades estruturais e viscosas do glúten, responsáveis por exemplo por dar ‘liga' às massas (pães, massas). Tal dificuldade, aliada à oposição de alguns governos e opinião pública ao desenvolvimento de linhagens geneticamente modificadas, levaram ao relativo freamento de tais pesquisas.
SorgoPor outro lado, diversos esforços tem sido feitos na seleção de grãos que naturalmente não contenham frações protéicas ‘tóxicas', mas que ao mesmo tempo retenham as propriedades elásticas necessárias à fabricação de massas. Diversas estratégias foram adotadas neste sentido. Verificou-se, por exemplo, que um grão conhecido como Sorghum (ou ‘Sorgo'), o qual detém várias das características necessárias à preparação de massas,  não desencadeou reações prejudiciais nos grupos de celíacos estudadose (possivelmente por se assemelhar mais ao milho do que ao trigo, centeio ou cevada). De fato, embora na Europa, Oceania e Américas o consumo de Sorgo não seja tradicional, em vários países da África e Ásia o sorgo já é usado frequentemente na forma de pães, bolos e outros produtos.
‘Digestão' do glúten através do uso de enzimas
Outra linha de pesquisa estuda a possibilidade de ‘degradação' do glúten (ou seja, a sua ‘quebra' em partículas menores que não desancadeariam a reação inflamatória) através do uso de enzimas. Um destes casos é o de uma enzima denominada prolyl endopeptidase: alguns estudos tem testado se a adição desta enzima em produtos que contém glúten de fato diminuiria a reação inflamatória quando do consumo destes produtos por celíacos. Os resultados parecem promissores, uma vez que em alguns estudos a maioria dos pacientes testados não desenvolveram problemas de má-absorção ou reações adversas num prazo de 2 semanas após o consumo dos produtos tratados com a enzima. Entretanto, mais estudos ainda são necessários para que se possa garantir a eficiência e segurança destas técnicas.
Inibição da ‘permeabilidade' intestinal
Uma das hipóteses sobre as causas da doença celíaca e outras doenças auto-imunes postula que estas doenças estariam relacionadas à disfunções na permeabilidade na barreiras do tecido intestinal (estas ‘barreiras' formadas por células são responsáveis por impedir, por exemplo, a passagem de macromoléculas e microorganismos). Isto ocorreria da seguinte forma: a digestão do glúten não é tão completa como a de outras proteínas, tendo como produto final moléculas relativamente grandes, as gliadinas. Postula-se que, no caso de celíacos, a presença de gliadina no intestino aumentaria a permeabilidade desta barreira através da ativação de uma proteína denominada ‘zonulina', permitindo a passagem da gliadina e outras resíduos da
digestão do glúten, os quais causariam uma reação imunológica inflamatória. A compania Alba Therapeutics estuda e desenvolve a utilização de um fármaco, o AT-1001, que bloquearia os efeitos da zonulina, mantendo assim a permeabilidade da barreira intestinal intacta na presença do glúten (e, portanto, permitindo sua ingestão). Os efeitos do AT-1001 também seriam benéficos para a melhoria de outras condições, como a diabete tipo I. A fase de testes 2b já foi concluída, tendo envolvido 184 celíacos de diversas regiões. Segundo o Diretor da empresa, os resultados serão anunciados em breve, mas ele já adianta que foram promissores.
Vacinas com ‘frações' (peptídeos) de glúten
Assim como comentamos em uma outra notícia, estuda-se atualmente a possibilidade de desenvolvimento de uma vacina que permitiria aos portadores da doença celíaca ingerir produtos com glúten . A idéia da vacina seria a de gradualmente desensibilizar o portador à presença de glúten no organismo, de forma que este seja tolerado (ou seja, seria uma ‘imunoterapia de desensibilização', na qual doses crescentes dos componentes tóxicos do glúten seriam administrados através de vacinas). Esta possibilidade atualmente encontra-se em fase de investigação, e aguarda testes clínicos para que se investigue a sua segurança e eficácia.
Indução da tolerância ao glúten
Um estudo Europeu sendo conduzido em larga escala está testando os efeitos da introdução do glúten na dieta de bebês com alto risco de desenvolver a doença (por exemplo por histórico familiar). O estudo - denominado "Prevenir a Doença Celíaca" (Prevent CD) - envolve 10 países europeus e um total de 1000 crianças que serão acompanhadas dos 12 meses aos 3 anos de idade, e irá testar a influência do histórico alimentar da criança na probabilidadde de desenvolver a doença. A idéia é investigar se com a ingestão gradual de pequenas quantidades de glúten o sistema imunológico pode "aprender" a não reagir à esta substância. Os primeiros resultados deverão estar disponíveis em 2010. 
Outras possibilidades além das mencionadas continuam sendo estudadas, como a possibilidade de se bloquear componentes críticos responsáveis pela reação inflamatória vista em celíacos, e o desenvolvimento de fármacos que permitam a regeneração acelerada da mucosa intestinal.
A doença celíaca afeta quase 1% da população dos países onde foi estudada, e a adoção de uma dieta completamente livre de glúten não é fácil para muitos. Além disso, em alguns casos a adoção da dieta não ocorre concomitantemente à melhoria dos sintomas ou das deficiências nutricionais muitas vezes presentes. Em um futuro próximo é possível assim que alguma destas terapias e tratatamentos, ou uma combinação destes, sejam decisivos na melhoria da qualidade de vida da população celíaca.
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Citar fonte como: Revista Vida sem Glúten e sem Alergias, 2009 (www.vidasemglutenealergias.com)

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