Nova bactéria para enganar o sistema auto imune


Bactéria cria ‘isca perfeita’ para enganar sistema imune

  • Descoberta de proteína que impede ação de qualquer anticorpo abre caminho para novas terapias contra infecções crônicas, câncer e doenças autoimunes


Modelo em 3D da Proteína M ligada a um anticorpo, tendo ao lado imagens de microscópio de infecções de células humanas pela M. genitalium: bactéria desenvolveu o mecanismo de invasão perfeito
Foto: Divulgação/ScienceInstituto de Pesquisas Scripps
Modelo em 3D da Proteína M ligada a um anticorpo, tendo ao lado imagens de microscópio de infecções de células humanas pela M. genitalium: bactéria desenvolveu o mecanismo de invasão perfeito Divulgação/ScienceInstituto de Pesquisas Scripps
Ao ser invadido por um corpo estranho, como bactérias e vírus, o organismo humano convoca um verdadeiro exército para combater a infecção. E na linha de frente desta guerra estão os anticorpos, proteínas em forma de “Y” que atuam como batedores, unindo-se à superfície dos invasores para neutralizá-los e identificá-los para que sejam atacados pelas células de defesa do corpo. Também conhecidos como imunoglobulinas, os anticorpos são “soldados” extremamente especializados: para cada invasor, o sistema imune fabrica um anticorpo específico contra ele.
Cientistas descobriram agora, no entanto, que uma bactéria, a Mycoplasma genitalium, que pode causar infecções crônicas na região genital, criou um “disfarce perfeito” para se esconder e escapar da ação dos anticorpos. Batizada por eles como Proteína M, a substância produzida pela bactéria é capaz de se ligar a praticamente qualquer anticorpo fabricado pelo organismo, impedindo que façam seu trabalho. Eles esperam que a descoberta abra caminho para o desenvolvimento de novas terapias antibacterianas, além de ajudar nas pesquisas para o desenvolvimento de remédios e sobre o funcionamento do sistema imune.
- O que a Proteína M faz com os anticorpos representa um truque muito esperto da evolução – comenta Richard A. Lerner, professor do Instituto de Pesquisas Scripps, nos EUA, e principal autor de artigo sobre o achado, publicado na edição desta semana da revista “Science”.
A descoberta da Proteína M aconteceu por acaso. Inicialmente, os cientistas procuravam entender as origens do mieloma múltiplo, uma forma devastadora de câncer provocada pela reprodução descontrolada dos plasmócitos, células derivadas dos linfócitos B e responsáveis pela fabricação dos anticorpos. Este tipo de câncer, assim como linfomas e outros, podem resultar de infecções crônicas por micro-organismos como a Escherichia coli, a Helicobacter pylori e o vírus da hepatite C. Para tanto, eles decidiram investigar as bactérias do gênero mycoplasma, também responsáveis por infecções crônicas e associadas ao aparecimento de diversos tipos de câncer.
Assim, Rajesh Grover, pesquisador do laboratório de Lerner, testou amostras de anticorpos retirados do sangue de pacientes com mieloma múltiplo contra uma variedade de espécies da bactéria. E, para sua surpresa, todas reagiram à proteína produzida pela M. genitalium. Exames posteriores, porém, demostraram que a reação não foi uma resposta a uma infecção maciça pela bactéria, mas sim do fato de que a proteína evoluiu simplesmente para se ligar a qualquer anticorpo que encontre.
- Ela se liga genericamente a todos os anticorpos e com isso é capaz de sequestrar toda a diversidade de repertório de anticorpos do sistema imune, além de, ao mesmo tempo, bloquear a interação específica entre aquele anticorpo e seu pretendido alvo biomolecular – conta Grover, acrescentando que ela provavelmente evoluiu para ajudar a M. genitalium a lidar com a resposta imunológica do corpo apesar de ter um dos menores genomas entre todas as bactérias encontradas na natureza. - Ela parece ser uma elegante solução evolucionária para o problema que as mycoplasma têm para fugir de um sistema imune adaptativo. A menor das bactérias parasíticas do planeta Terra parece ter desenvolvido a mais sofisticada máquina invasora molecular.
Análise da estrutura da Proteína M e sua comparação com um banco de dados com quase 100 mil outros compostos do tipo revelou que ela é realmente “única”, destacam os cientistas. De acordo com eles, se a substância realmente se confirmar como um “disfarce universal” da ação dos anticorpos, ela pode se tornar alvo para remédios que facilitarão o tratamento de infecções crônicas e geralmente silenciosas pela M. genitalium, assim como de outros micro-organismos que tenham desenvolvido mecanismos similares de defesa contra o sistema imune. Além disso, versões modificadas da proteína poderiam ser usadas para levar toxinas diretamente a células cancerosas ou melhorar e facilitar a produção dos chamados anticorpos monoclonais, muito usados atualmente em tratamentos contra o câncer e doenças autoimunes.
http://oglobo.globo.com/saude/bacteria-cria-isca-perfeita-para-enganar-sistema-imune-11528254

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